A raiva oferece uma
oportunidade única de destrincharmos e mergulharmos mais profundamente na CNV,
pois expõe muito aspectos do processo a um exame minucioso.
“A expressão da raiva claramente demonstra a diferença entre a CNV e outras formas de comunicação”.
Antes de tudo, Marshall nos
sugere que matar
pessoas é uma expressão superficial demais do que se passa dentro de nós quando sentimos
raiva. Espancar, culpar, ferir os outros, fisicamente ou não, são todas
expressões superficiais.
Quando estamos verdadeiramente
com raiva, precisamos de
uma maneira mais poderosa e profunda de se expressar. Nesse sentido, a CNV tem
grande potencial de auxílio.
Compreender isso pode ser
um alívio para muitos grupos que sofrem discriminação e opressão. Esses grupos
ficam inquietos com o termo “comunicação não-violenta” ou quando falamos de
empatia e compaixão, uma vez que eles são muitas vezes forçados a sufocar sua
raiva, acalmar-se e, à margem, aceitar o status quo imposto.
Eles desconfiam de qualquer
abordagem que vêem sua raiva como qualidade negativa e que precisa ser
eliminada. O que faz muito sentido. Afinal, depois de tanto sofrer, ainda ter
de receber mais um ataque de opressão velada de pacifismo não parece boa ideia.
Contudo, o processo que
estudamos não nos encorajar a ignorar, sufocar ou engolir a raiva, mas sim a
expressar a essência de nossa raiva completamente e de todo o coração.
Distinguindo estímulo de causa
Nunca ficamos com raiva por causa do que os outros dizem ou fazem.
O primeiro passo para
expressarmos completamente a raiva na CNV é dissociar a outra pessoa de
qualquer responsabilidade por nossa raiva. Pensamentos do tipo:
· "Jorginho me deixou furioso quando fez isso”!
São pensamento nos leva a
expressar nossa raiva superficialmente, culpando ou punindo a outra pessoa.
Vimos como o comportamento
do outro pode ser um estímulo para o nosso sentimento, mas nunca a causa. É
preciso que se estabeleça a clara diferenciação entre estímulo e causa.
O sentimento está ligado a necessidade. |
Se a outra pessoa se atrasa
para o nosso encontro e eu não quero ficar esperando, então eu fico furioso.
Porém se ela atrasa e eu estou ocupado com vários outros afazeres, posso me
sentir aliviado e produtivo.
O atraso em si nunca é a
causa. Mas pode ser o estímulo tanto para raiva, quanto para alívio,
chateação... Sentimentos
que vão de acordo com a nossa necessidade naquele momento.
Ao igualar estimulo e
causa, nos convencemos a pensar que o comportamento do outro é que nos faz
sentir raiva e a partir disso utilizamos a culpa para fazer com que ele seja
controlado por nós.
Nossa cultura faz ser
importante enganar as pessoas para que pensem que elas podem realmente fazer
com o que os outros sintam de determinada maneira. E a nossa linguagem
facilita enormemente o processo.
“Quando a culpa é uma tática de manipulação e coerção, é útil confundir estímulo e causa”.
O primeiro passo para
expressar a raiva plenamente, então, é reconhecer a nossa responsabilidade pelo
que sentimentos. O que as pessoas fazem nunca é a causa.
Assim sendo,
como a raiva é gerada?
No capítulo 5, discutimos
as quatro opções que temos quando estamos diante de uma mensagem ou
comportamento de que não gostamos:
“A raiva é
gerada quando escolhemos a segunda opção: sempre que estamos com raiva, estamos
julgando alguém culpado – escolhemos brincar de Deus julgando ou culpando a
outra pessoa por estar errada ou merecer uma punição. Eu gostaria de
sugerir que essa é a causa da raiva. Mesmo que de início não tenhamos
consciência disso, a causa da raiva está localizada em nosso próprio
pensamento”.
Se alguém me ignora e eu
preciso de silêncio, então me sentirei tranquilo e em paz. Porém, se alguém me
ignora e preciso de carinho e consideração, posso ficar com raiva e julgá-la
como uma pessoa mal-educada.
“São as nossas próprias necessidades que causam nossos sentimentos”.
Quando
estamos conectados a nossas necessidades, sejam elas de encorajamento, de ter
um propósito útil ou de solidão, estamos em contato com nossa energia vital.
Podemos ter sentimentos fortes, mas nunca ficamos com raiva. A raiva é o
resultado de pensamentos alienantes da vida que estão dissociados de nossas
necessidades
Uma alternativa é
concentrar em nossas necessidades e sentimentos e assim ganhar consciência da
necessidade e do sentimento por detrás do comportamento da outra pessoa. Quando
isso acontece, não sentimos raiva. Não estamos a reprimindo ou sufocando, ela
simplesmente não acontece.
Toda raiva tem um âmago que serve a vida
“Quando julgamos os outros, contribuímos para a violência”.
·
Não há circunstâncias em que a raiva é justificável?
·
Não é necessário ter “justa indignação” ante a população descuidada e
irrefletida no ambiente, por exemplo?
“Minha
resposta é que acredito firmemente que sempre que apóio em qualquer grau a
consciência de que há coisas tais como "ações descuidadas",
"ações conscienciosas", "pessoas gananciosas" ou
"pessoas éticas", estou contribuindo para com a violência neste planeta.
Em vez de
concordamos ou discordarmos a respeito do que são as pessoas que matam,
estupram ou poluem o ambiente, acredito que serviremos melhor à vida se
concentrarmos nossa atenção nas nossas necessidades”.
A resposta que o livro
apresenta é a resposta que me faz mais sentido também, ao pensar em caminhos e
alternativas para um mundo cada vez menos violento.
Toda raiva é resultado de
pensamentos alienantes da vida e causadores de violência. No âmago de toda
raiva existe uma necessidade não atendida. Por isso, a raiva pode ser valiosa
se utilizada como um despertar para aquela necessidade.
Para se expressar
plenamente a raiva, é preciso se ter plena consciência de nossa necessidade.
Além disso, precisamos de
energia para atender a necessidades. Quando nos deixamos levar pela raiva, ela
rouba toda nessa energia para punir as pessoas, ao invés de trabalhar no que
estamos precisando.
Estímulo versus causa: implicações práticas.
Toda violência resulta de
as pessoas se iludirem, como aquele jovem prisioneiro, e acreditarem que sua
dor se origina dos outros e que, portanto, eles merecem ser punidos.
Gostaria de sugerir que,
quando nossa cabeça está cheia de julgamentos e análises de que os outros são
maus, gananciosos, irresponsáveis, mentirosos, corruptos, poluidores, que
valorizam os lucros mais do que a vida ou se comportam de maneira que não
deveriam, poucos deles estarão interessados em nossas necessidades.
Imagine proteger o meio
ambiente e procurarmos um executivo de grande empresa com uma atitude do tipo:
·
"Sabe, você é um verdadeiro assassino do planeta e não tem o
direito de abusar da Terra dessa maneira".
Qual a chance de termos
nossas necessidades atendidas? É raro o ser humano que consegue se concentrar
em nossas necessidades quando as expressamos por meio rótulos que pintam o
outro como errado.
Se elas se sentirem
amedrontadas, culpadas ou envergonhadas a ponto de mudar suas atitudes, podemos
vir a acreditar que é possível "ganhar" dizendo às pessoas o que há
de errado com elas.
Numa perspectiva mais
ampla, porém, percebemos que, cada vez que nossas necessidades são atendidas
dessa maneira, não apenas perdemos, mas contribuímos de forma muito tangível para a violência no
planeta
“Quanto mais as pessoas ouvirem culpa e julgamentos, mais defensivas e agressivas elas se tornarão e menos se importarão com nossas necessidades no futuro”.
Quatro passos para expressar a raiva
Passos para expressar a
raiva:
- Parar. Respirar: Abster de qualquer movimento em direção a agressão e a punição. Não fazer nada.
- Identificar nossos pensamentos que estão julgando as pessoas: identificamos os pensamentos que estão gerando nossa raiva.
- Conectar-nos as nossas necessidades: nos conectamos com as necessidades por trás desses pensamentos. Se eu julgar que alguém é racista, a necessidade pode ser de inclusão, igualdade, respeito ou conexão.
- Expressar nossos sentimentos e necessidades não-atendidas: Para nos expressarmos plenamente, nós agora abrimos a boca e expressamos a raiva - mas esta já se transformou em necessidades e em sentimentos relacionados a elas. Articular esses sentimentos pode exigir um bocado de coragem. É fácil me irritar e dizer às pessoas: "Isso é coisa de racista!". Na verdade, posso até gostar de dizer algo assim, mas descer até o nível dos sentimentos e necessidades mais profundos por trás de uma frase como essa pode ser muito assustador. Para expressar plenamente nossa raiva, podemos dizer à pessoa:
"Quando
você entrou nessa sala, começou a conversar com os outros, não falou nada
comigo e então fez um comentário sobre brancos, fiquei realmente enojado e
muito assustado. Isso despertou em mim todo tipo de necessidade de ser tratado
com igualdade. Eu gostaria que você me dissesse como se sente quando digo
isso".
Oferecendo
empatia primeiro
“Quanto mais escutarmos os outros, mais eles nos escutarão”.
Na maioria dos casos, é
preciso que haja mais uma etapa antes que possamos esperar que a outra parte
entre em conexão com o que está acontecendo dentro de nós. Uma vez que é comum
que os outros tenham dificuldades para receber nossos sentimentos e
necessidades em tais situações, precisaremos primeiro oferecer nossa empatia a
eles, se quisermos que nos escutem. Quanto mais empatia tivermos com relação ao que os
leva a se comportarem de maneira que não atenda a nossas necessidades, mais
provável será que eles consigam dar reciprocidade mais tarde.
E este, mais uma vez, não é
o caminho mais fácil. A CNV é realmente para quem está disposto a realmente
solucionar conflitos sem contribuir para a sistematização da violência no
mundo.
Avançando em nosso próprio ritmo
Essa é provavelmente uma
das partes mais importantes do livro. Internalizar uma nova forma de
comunicação não é algo que se faça da noite para o dia. É precisamos esforço,
estudo e prática. Um processo com dificuldades, desafios e oscilações.
Nesse
sentido, precisamos respeitar o nosso processo que é único e particular e
avançar em nosso próprio ritmo.
Conta Marshall que um amigo
escreveu em um cartão com uma pequena cola para consultar sempre que precisava
recorrer a CNV. Como um lembrete. Utilizava no trabalho e em casa, pois sua
necessidade de se relacionar melhor era maior do que o embaraço ou o trabalho
de consultar o cartão quando precisasse.
Passados um mês ele se
sentiu confiante em abandonar o cartão e caminhar sozinho. Então, uma noite,
ele e seu filho, de 4 anos, estavam tendo um conflito a respeito da televisão e
as coisas não estavam indo bem. "Papai", disse Scottie com
urgência, "pegue o
cartão!"
Para aqueles de nós que
desejemos aplicar CNV, principalmente em situações de raiva, o livro nos sugere
o seguinte exercício:
Liste os
julgamentos que flutuam com mais freqüência em sua cabeça, usando como ponto de
partida a frase: ‘Não gosto de pessoas que são ___’. Reúna todos esses
julgamentos negativos de sua cabeça e então pergunte a si mesmo:
‘Quando faço
essa ideia a respeito de alguém, do que estou precisando e não estou obtendo?’ Dessa maneira, você estará
treinando estruturar o pensamento em termos de necessidades não-atendidas, e
não de julgamentos de outras pessoas.
Interessante, não é?
Mantenha-se em frente sempre ao seu próprio ritmo! =)
Até o próximo
capítulo!
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