Pós-verdade: quando o fato já não importa mais... - O Espaço - Comunicação Não-violenta Pós-verdade: quando o fato já não importa mais...

Pós-verdade: quando o fato já não importa mais...

2018/10/15 | Nenhum comentário | |








Você provavelmente já ouviu falar do termo pós-verdade. Foi eleita a palavra do ano de 2016 pela universidade de Oxford.

 É um termo que aparece com muita frequência na hora de definir nosso atual momento político-histórico. Pós-verdade quer dizer que os fatos objetivos, ou seja, a verdade, tem uma importância secundária na hora de moldar a opinião pública, diante das crenças e das emoções das pessoas.

Em outras palavras, diante de uma informação, seja uma notícia, um vídeo, uma entrevista, enfim.. O mais importante é se aquilo vai de encontro às minhas crenças ou não. A minha opinião é aquela e é imutável, não importando se há um fato que a descontrói.

1) Se vem pra corroborar o que sinto e acredito, então pra mim aquilo é verdade. As fontes são confiáveis e quem fala tem credibilidade. 

2) No entanto, se é contrário à minha visão, então não há o menor problema pra mim descartar aquilo, a fonte não presta e quem fala é mentiroso e mal caráter.

E como é fácil ver que assim que as coisas estão funcionando, não é?

Pós-verdade e viés de confirmação


Junta-se a isso:

> a velocidade e o volume da informação que nos esmaga, não nos dando tempo de processar, de racionalizar, de questionar, verificar... De talvez aproveitar parte, descartar parte; 

> as bolhas sociais cada vez mais intensificada pelas redes; 

> as próprias redes que são desenvolvidas para o entretenimento e não exatamente para a fertilização de ideias; 

> o paradoxo da proteção física que a internet nos oferece ao mesmo tempo que nos coloca em posição de extrema vulnerabilidade e exposição social diante de nossa família, amigos e contatos fundamentais a nós. E por aí vai...

Todas essas coisas se retroalimentam e acho que explicam parte do caos que estamos vivendo atualmente.

A internet como um marco histórico da humanidade


Eu sempre fui muito idealista com relação a internet. Acredito, de verdade, que não há progresso sem acesso. E que a revolução do universo online poderia, pela primeira vez, permitir o acesso universal às informações de maneira aberta e democrática.

Sempre acreditei nisso como um marco na trajetória da humanidade. Como a descoberta do fogo ou a revolução industrial.

No entanto, parece que estamos vivendo alguns efeitos colaterais fortíssimos e talvez até irreversíveis, não é? Vejo que estamos aprendendo ainda a se relacionar com tudo isso e que um novo campo de conhecimento vem surgindo ao mesmo tempo que às coisas continuam mudando de forma assustadoramente rápida.

Termos como pós-verdade nos ajudam a entender melhor como nós, enquanto sistema, nos comportamos e nos adaptamos ao novo mundo.

Contudo, e esse é o motivo do meu vídeo/texto, pra assimilarmos de verdade e conquistarmos mais autonomia a fim de construir uma relação saudável e fértil com a tecnologia, eu entendo que é muito necessário que a gente consiga olhar também para a dimensão do eu. Como eu, na condição de indivíduo, na minha subjetividade, interajo com todas essas possibilidades?

A minha experiência pessoal


Quero compartilhar com você uma experiência recente que me trouxe essa compreensão.

Na disputa do segundo turno do meu estado, me deparei no Twitter com o que seria o plano de governo do candidato o qual não gosto (crença: ele não vai fazer um bom trabalho, é um pilantra; sentimento: medo, repulsa, raiva).

Nesse papel, havia algumas propostas que considero absurdas e que acredito que a maioria das pessoas também achariam. Aquilo foi munição pra mim. É isso que vejo quando tento desvendar meu mundo interno naquele momento. Eu iria desmascará-lo. E tudo o que eu já intuía sobre ele finalmente seria provado verdade.

Compartilhei primeiro em um grupo de amigos e me perguntaram como poderíamos me confirmar que aquele era realmente o plano de governo dele e não algo forjado.

Instantaneamente eu argumentei: “não é possível que alguém formataria todo um plano de governo, do início ao fim, mais de 30 páginas subdivididas, com índice, rodapés, nº de CNPJ e usando toda a identidade visual do candidato pra poder incriminá-lo”.

Mas convenhamos, tudo tem sido possível ultimamente. Acontece que na hora, e eu consegui ter a clareza de perceber, eu estava incrivelmente resistente de procurar a veracidade daquilo. Era a pós-verdade agindo em mim. Mesmo que já soubesse do conceito, mesmo que já tendo o estudado, mesmo conseguindo identifica-lo todos os dias nas outras pessoas... Naquele momento, fortalecer e impor a minha crença era o mais importante. Eu não queria descobrir se tal era fake ou não.

Com isso percebido, fiz algo inusitado pra mim, pesquisar de onde vinha aquele material. No site do TSE, o plano era outro. No site do candidato aquele material não existia. Até que, uma hora de procura depois, descobri que aquele realmente foi um material lançado pelo candidato que o retirou de seu site por propor várias coisas impopulares. Descobri que apesar de retirar o link, o PDF ainda estava hospedado lá, e essa era a prova de que eu precisava.

Hoje, esse mesmo candidato, fala que atribuíram essas propostas a ele com a intenção de ataca-lo. Enquanto outros continuam a acusa-lo. E o que fica? A pós-verdade de cada um.

Um convite a você:


Viver isso foi um divisor de águas na minha relação com os debates online. Me sinto mais seguro, autônomo e confiante pra me informar, construir e aprender. Sei que muitos insights desse tipo virão e acho importante que a gente se mantenha falando sobre isso.

Por isso estou aqui, gostaria de te perguntar: como você se relaciona com a pós-verdade? Como você confronta os seus vieses? É assertivo, proativo? Tem se deixado levar pela avalanche de dados?

Você tem construído, provocado o seu intelecto? Ou se encontra perdido no mundo das crenças? Tem alguma história a respeito pra compartilhar comigo?

Perceba que, por mais grave que esteja a nossa situação atual, o que proponho aqui vai além. A gente vai precisar se refinar nisso, é uma urgência, independente dos resultados que vierem.

Ainda não existe outra maneira de se combater a indústria fake, os robôs e todos esses algoritmos se eu não for capaz de olhar pra mim mesmo e perceber como me relaciono com isso. O que são agências de checagem e outras ferramentas se projeto o meu viés de confirmação nelas também?

Não há solução que não passe por um exame profundo de nossos sentimentos e necessidades!

Essa é a ideia que queria compartilhar com você hoje, espero que tenha sido útil de alguma forma!

Grande abraço!

Nenhum comentário:

Postar um comentário