Você provavelmente já ouviu falar do termo
pós-verdade. Foi eleita a palavra do ano de 2016 pela universidade de Oxford.
É um termo que aparece com muita frequência na hora de
definir nosso atual momento político-histórico. Pós-verdade quer dizer que os
fatos objetivos, ou seja, a verdade, tem uma importância secundária na hora de
moldar a opinião pública, diante das crenças e das emoções das pessoas.
Em outras palavras, diante de uma informação, seja uma
notícia, um vídeo, uma entrevista, enfim.. O mais importante é se aquilo vai de
encontro às minhas crenças ou não. A minha opinião é aquela e é imutável, não
importando se há um fato que a descontrói.
1) Se vem pra corroborar o que sinto e acredito, então
pra mim aquilo é verdade. As fontes são confiáveis e quem fala tem
credibilidade.
2) No entanto, se é contrário à minha visão, então não há o menor
problema pra mim descartar aquilo, a fonte não presta e quem fala é mentiroso e
mal caráter.
E como é fácil ver
que assim que as coisas estão funcionando, não é?
Junta-se a isso:
> a velocidade e o volume da informação
que nos esmaga, não nos dando tempo de processar, de racionalizar, de
questionar, verificar... De talvez aproveitar parte, descartar parte;
> as bolhas
sociais cada vez mais intensificada pelas redes;
> as próprias redes que são
desenvolvidas para o entretenimento e não exatamente para a fertilização de
ideias;
> o paradoxo da proteção física que a internet nos oferece ao mesmo tempo
que nos coloca em posição de extrema vulnerabilidade e exposição social diante
de nossa família, amigos e contatos fundamentais a nós. E por aí vai...
Todas essas coisas se retroalimentam e acho que
explicam parte do caos que estamos vivendo atualmente.
A internet como um marco histórico da humanidade
Eu sempre fui muito idealista com relação a internet.
Acredito, de verdade, que não há progresso sem acesso. E que a revolução do
universo online poderia, pela primeira vez, permitir o acesso universal às
informações de maneira aberta e democrática.
Sempre acreditei nisso como um marco na trajetória da
humanidade. Como a descoberta do fogo ou a revolução industrial.
No entanto, parece que estamos vivendo alguns efeitos
colaterais fortíssimos e talvez até irreversíveis, não é? Vejo que estamos
aprendendo ainda a se relacionar com tudo isso e que um novo campo de
conhecimento vem surgindo ao mesmo tempo que às coisas continuam mudando de
forma assustadoramente rápida.
Termos como pós-verdade nos ajudam a entender melhor
como nós, enquanto sistema, nos comportamos e nos adaptamos ao novo mundo.
Contudo, e esse é o motivo do meu vídeo/texto, pra
assimilarmos de verdade e conquistarmos mais autonomia a fim de construir uma
relação saudável e fértil com a tecnologia, eu entendo que é muito necessário
que a gente consiga olhar também para a dimensão do eu. Como eu, na condição de
indivíduo, na minha subjetividade, interajo com todas essas possibilidades?
A minha experiência pessoal
Quero compartilhar com você uma experiência recente
que me trouxe essa compreensão.
Na disputa do segundo turno do meu estado, me deparei
no Twitter com o que seria o plano de governo do candidato o qual não gosto
(crença: ele não vai fazer um bom trabalho, é um pilantra; sentimento: medo,
repulsa, raiva).
Nesse papel, havia algumas propostas que considero
absurdas e que acredito que a maioria das pessoas também achariam. Aquilo foi
munição pra mim. É isso que vejo quando tento desvendar meu mundo interno
naquele momento. Eu iria desmascará-lo. E tudo o que eu já intuía sobre ele
finalmente seria provado verdade.
Compartilhei primeiro em um grupo de amigos e me
perguntaram como poderíamos me confirmar que aquele era realmente o plano de
governo dele e não algo forjado.
Instantaneamente eu argumentei: “não é possível que
alguém formataria todo um plano de governo, do início ao fim, mais de 30 páginas
subdivididas, com índice, rodapés, nº de CNPJ e usando toda a identidade visual
do candidato pra poder incriminá-lo”.
Mas convenhamos, tudo tem sido possível ultimamente.
Acontece que na hora, e eu consegui ter a clareza de perceber, eu estava incrivelmente
resistente de procurar a veracidade daquilo. Era a pós-verdade agindo em mim.
Mesmo que já soubesse do conceito, mesmo que já tendo o estudado, mesmo
conseguindo identifica-lo todos os dias nas outras pessoas... Naquele momento,
fortalecer e impor a minha crença era o mais importante. Eu não queria
descobrir se tal era fake ou não.
Com isso percebido, fiz algo inusitado pra mim,
pesquisar de onde vinha aquele material. No site do TSE, o plano era outro. No
site do candidato aquele material não existia. Até que, uma hora de procura
depois, descobri que aquele realmente foi um material lançado pelo candidato
que o retirou de seu site por propor várias coisas impopulares. Descobri que
apesar de retirar o link, o PDF ainda estava hospedado lá, e essa era a prova
de que eu precisava.
Hoje, esse mesmo candidato, fala que atribuíram essas
propostas a ele com a intenção de ataca-lo. Enquanto outros continuam a
acusa-lo. E o que fica? A pós-verdade de cada um.
Um convite a você:
Viver isso foi um divisor de águas na minha relação com os debates online. Me sinto mais seguro, autônomo e confiante pra me informar, construir e aprender. Sei que muitos insights desse tipo virão e acho importante que a gente se mantenha falando sobre isso.
Por isso estou aqui, gostaria de te perguntar: como
você se relaciona com a pós-verdade? Como você confronta os seus vieses? É
assertivo, proativo? Tem se deixado levar pela avalanche de dados?
Você tem construído, provocado o seu intelecto? Ou se
encontra perdido no mundo das crenças? Tem alguma história a respeito pra
compartilhar comigo?
Perceba que, por mais grave que esteja a nossa
situação atual, o que proponho aqui vai além. A gente vai precisar se refinar
nisso, é uma urgência, independente dos resultados que vierem.
Ainda não existe outra maneira de se combater a
indústria fake, os robôs e todos esses algoritmos se eu não for capaz de olhar
pra mim mesmo e perceber como me relaciono com isso. O que são agências de
checagem e outras ferramentas se projeto o meu viés de confirmação nelas também?
Não há solução que não passe por um exame profundo de nossos sentimentos e necessidades!
Não há solução que não passe por um exame profundo de nossos sentimentos e necessidades!
Essa é a ideia que queria compartilhar com você hoje,
espero que tenha sido útil de alguma forma!
Grande abraço!
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