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Empatia pelo silêncio - Um relato de Marshall Rosenberg

2019/01/29 | Nenhum comentário | |





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Durante os anos em que trabalhei como psicoterapeuta clínico, uma vez fui contatado pelos pais de uma jovem de 20 anos que estava sob cuidados psiquiátricos e durante vários meses se submetera a medicamentos, internações e eletrochoque. Ela havia ficado muda três meses antes de os pais terem me procurado. Quando eles a trouxeram a meu consultório, ela teve de ser ajudada porque, se fosse deixada por si mesma, não se moveria.

Em meu consultório, ela se encolheu na cadeira, tremendo, os olhos no chão.  Tentando me conectar com empatia com os sentimentos e necessidades que estavam sendo expressos através de sua mensagem não-verbal, eu disse: "Percebo que você está assustada e gostaria de ter certeza de que é seguro falar. Isso está correto?"

Ela não demonstrou nenhuma reação. Então, expressei meus próprios sentimentos, dizendo:  "Estou muito preocupado com você e gostaria que me dissesse se há alguma coisa que eu possa dizer ou fazer para que você se sinta mais segura". Ainda não houve nenhuma reação. Pelos quarenta minutos seguintes, continuei a interpretar seus sentimentos e necessidades ou a expressar os meus próprios.  Não houve reação visível, nem mesmo o menor sinal de reconhecimento de que eu estava tentando me comunicar com ela. Finalmente, disse-lhe que estava cansado e que gostaria que ela retornasse no dia seguinte.

Os dois dias seguintes foram iguais ao primeiro.  Continuei a concentrar minha atenção nos sentimentos e necessidades dela, às vezes expressando verbalmente o que compreendia e outras fazendo isso de forma silenciosa. De vez em quando, eu expressava o que estava acontecendo comigo mesmo. Ela ficava sentada tremendo em sua cadeira, sem dizer nada.

No quarto dia, quando ela ainda não havia respondido, aproximei-me e segurei sua mão. Sem saber se minhas palavras estavam comunicando minha preocupação, eu esperava que o contato físico pudesse fazer isso com mais eficácia. Ao primeiro contato, seus músculos ficaram tensos, e ela se encolheu mais ainda em sua cadeira. Eu estava para soltar sua mão quando senti que ela estava cedendo ligeiramente; então, continuei segurando. Depois de alguns instantes, percebi um progressivo relaxamento da parte dela. Segurei sua mão por vários minutos enquanto conversava com ela da mesma forma como tinha feito nos dias anteriores. Ela ainda não disse nada.



Quando chegou no dia seguinte, ela parecia ainda mais tensa do que antes, mas houve uma diferença: ela estendeu uma mão fechada em minha direção, enquanto virava o rosto para longe de mim.  Primeiro fiquei confuso com o gesto, mas depois percebi que ela tinha alguma coisa na mão que queria que eu pegasse. Pegando sua mão na minha, abri seus dedos. Na palma de sua mão estava um bilhete amarrotado com a seguinte mensagem: "Por favor, ajude-me a dizer o que tenho por dentro".

Fiquei extasiado em receber aquele sinal de seu desejo de se comunicar. Depois de mais uma hora de encorajamento, ela finalmente disse uma primeira frase, devagar e com receio. Quando repeti para ela o que a ouvira dizer, ela pareceu aliviada e então continuou a falar, de forma lenta e receosa.  Um ano depois, ela me mandou uma cópia dos seguintes trechos de seu diário:

Saí do hospital, para longe dos eletrochoques e dos remédios fortes. Isso foi mais ou menos em abril. Os três meses depois disso estão completamente em branco em minha mente, assim como os três anos e meio antes de abril.

Dizem que depois de ter saído do hospital, passei um tempo em casa sem comer, sem falar, e querendo ficar na cama o tempo todo. Então me encaminharam ao dr.  Rosenberg para terapia. 

Não me lembro muito dos dois ou três meses seguintes, exceto de estar no consultório do dr. Rosenberg e conversar com ele. 

Eu tinha começado a "acordar" desde aquela primeira sessão com ele. Eu tinha começado a compartilhar com ele coisas que me incomodavam, coisas que eu nunca teria sonhado contar a ninguém. E me lembro de quanto aquilo significou para mim. Era tão difícil falar! Mas o dr. Rosenberg se importava comigo e demonstrava isso, e eu queria conversar com ele.  Depois das sessões, eu sempre ficava contente de ter deixado sair alguma coisa. Lembro-me de ter ficado contando os dias, até mesmo as horas, até minha próxima sessão com ele.

Também aprendi que encarar a realidade não é de todo mau. Estou percebendo cada vez mais as coisas que preciso enfrentar, coisas que preciso sair e fazer por mim mesma.
  
Isso é assustador. E é muito difícil. E é desanimador que, mesmo que eu tente com muito empenho, ainda possa fracassar de modo tão terrível. Mas a parte boa da realidade é que estou vendo que ela também inclui coisas maravilhosas.

No ano que passou, aprendi quanto pode ser maravilhoso compartilhar de mim mesma com as outras pessoas. Acho que na verdade só aprendi uma parte, sobre como é empolgante falar com as pessoas e elas realmente escutarem - e às vezes até mesmo compreenderem de verdade.




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