O lugar se chama Prainha. A água parece uma piscina. Você entra, crente que domina a situação. De repente tudo muda. Aparece correnteza para a direita, para a esquerda e redemoinhos no meio. Não é assim também a vida?
As pessoas se vão. A gente tenta segurar, pega na mão. A mão escapa. A gente urra de dor. Geme. Chora. Se desespera. Ai a vida, essa caprichosa. Não tem pena do que faz com a gente?
Mas a morte não vem de castigo. Acho que a morte só vem. Está aí. Faz parte do combo. Entre a porta de entrada e a de saída, aproveite! Seja bom. Faça amigos. Deixe marcas. Borde almas”.
Trechos do texto de
Mônica Bayeh sobre a morte do ator Domingos Montagner (Adaptado).
E foi com ele que encerramos,
na última semana, a roda de conversa sobre o filme Para Sempre Alice (2015). Esse
foi o terceiro – e muito rico – encontro que nasceu da amizade entre O Espaço e
a Vínculo Psicologia.
Direto, duro e triste, Para
Sempre Alice conta a história de uma renomada professora de linguística que, aos 50 anos e no auge da carreira, é diagnosticada com Alzheimer precoce.
Alice tem muito a nos dizer e sua história oferece reflexões que vão
além da patologia e do diagnóstico e nos colocam frente a frente com os problemas
relacionados à vida – e à morte.
Durante o encontro, partilhamos das
diversas percepções que o filme despertou em cada um, dividimos histórias e
vivências e refletimos sobre outras inúmeras questões. Mas, principalmente,
tivemos, através da boa conversa, a oportunidade de, mais uma vez, sair do
automático, olhar pra dentro de nós mesmos e nos conhecer um pouquinho mais.
Por isso há sempre um texto
depois. Para estender esse momento a você, quero colocar aqui os três pontos
que mais me chamaram atenção na nossa conversa.
Então se você não assistiu o filme, pause o texto aqui para assisti-lo e depois volte para conversamos. =)
A troca genuína é uma das bases
do O Espaço e na roda de conversa não existe um mediador ou um guia, somos
participantes dividindo os seus mundos, assim sendo, este texto não é uma
posição oficial, mas o olhar de um dos presentes.
E pela lei natural dos encontros,
eu deixo e recebo um tanto.
O
desafio do Mal de Alzheimer
O Alzheimer é, sem dúvidas, uma
das doenças mais tristes. É realmente muito difícil ter alguém querido sofrendo
desse mal ao seu lado. É angustiante conviver com alguém que amamos perdendo as
suas memórias, esquecendo-se da própria história, esquecendo-se de quem é.
É compreensível que, tamanha a
dor, algumas pessoas não consigam ficar por perto e tenham que se afastar.
Mas e o paciente?
Para Sempre Alice
é o primeiro a colocar em foco aquele que Alzheimer e não somente quem está ao
seu redor. E isso é muito significativo.
Como ele se sente? Ele ainda está
lá? Se ele vai esquecer logo depois, então de que vale cada momento?
Em certa altura, a família de
Alice está discutindo o seu futuro, como se ela não estivesse ali. Todos falam
dela na terceira pessoa, ignorando a sua existência no mesmo ambiente.
O Alzheimer é uma doença que faz
com que o seu portador deixe de responder como ele é. O seu esquecimento causa
constrangimentos e testa a paciência das pessoas.
Contudo precisamos entender que aquela pessoa que a gente ama e respeita ainda está ali. Que ela
também se sente constrangida nessas situações. Que ela não é a doença e nem os
seus sintomas. Que ela continua sendo a mesma pessoa. E que apesar de esquecer,
cada momento vivido tem o seu valor.
Still Alice, o nome do filme em
inglês. Ainda Alice, ao pé da letra. Eu continuo sendo Alice, apesar de tudo!
O nosso desafio é buscar não
somente a cura, mas em paralelo encontrar meios de humanizar o tratamento.
Acredito que aos poucos estamos assimilando isso e que muitas boas pessoas
oferecem um cuidado transbordando amor e respeito.
Porém a exceção, apesar de nos
inspirar, só confirma a regra.
O documentário Alive Inside – Astory of Music and Memory (Vivo por dentro – uma história de música e memória,
em tradução livre) mostra que, como sociedade, ainda não vencemos essa
barreira. Evidencia a dificuldade de se adotar medidas no sentido humano.
Enquanto todos os esforços das entidades oficiais se voltam aos números,
valores, preços, remédios, etc..
A verdade é que nossa cultura
aprecia o belo, o jovem e o útil. E quando alguém deixa de ser útil,
descartamos. Como uma sociedade de robôs, você existe enquanto é produtivo.
Só que nós somos humanos e quem
descarta hoje é descartado amanhã, provavelmente abandonado em algum asilo.
Você vai morar em um novo lar que
de lar nada tem. Macas, agulhas, remédios e portas trancadas. Estou em um
hospital ou em uma prisão? Quando vim parar aqui? Você não consegue se lembrar.
De vez em nunca, alguém vem te visitar, mas você não lembra quem é. Você vai se
fechando e fechando, como uma flor que murcha sem água.
Entender que o humano vem antes
do belo, do jovem e do útil é o nosso desafio e estamos fechado com ele aqui no
O Espaço, portanto me comprometo a trazer pessoas que possuem histórias
relacionadas ao Alzheimer, a demência e a velhice em si.
O instante de tempo chamado vida.
Alice era uma pessoa
de muitos recursos, tinha bons hábitos, praticava atividade física e de hobby,
um jogo de palavras. Um diagnóstico de Alzheimer precoce nessas condições é, no
mínimo, inesperado.
Mas assim é a vida.
Inesperada. Por mais que a gente se esforce muito para controlá-la.
Vivemos como se nunca
fôssemos morrer. Rodeamo-nos de coisas irrelevantes e usamos essas mesmas
coisas como obstáculos que nos impedem de ir ao encontro daquilo que realmente
importa para nós.
Enquanto esperamos o
futuro, lamentamos o passado. E o presente? O presente é para fazer planos e
esperar.
Aquele
futuro há de chegar!
Ele nunca chega. A
morte vem primeiro e quando nos damos conta, esquecemos de viver.
Baita tabu é a morte. Você já pensou na sua? E
na daquela pessoa que você ama? O estômago até embrulha.
Que
papo ruim! Tá amarrado!
Isola
cara! Bate na madeira!
A gente chama até pela superstição.
Tudo para tentar escapar do que é
inescapável. E quando acontece, não estamos preparados. E aí, desavisados,
estamos contrariados e revoltados. A conseqüência natural da vida se torna um
absurdo, uma injustiça.
Mas é possível mesmo se preparar assim para tal
fatalidade? Essa é difícil responder.
O que dá pra fazer é viver agora. Viver com
plenitude. Mas viver com plenitude hoje! Saber que os planos, os sonhos e os
objetivos, apesar de importantes, só existem no futuro – ou no passado – e que só
se está vivo no presente. Só hoje, só agora é que dá pra sentir, respirar,
tocar, cheirar, ver, ouvir, sorrir... Viver.
O que dá pra fazer é perdoar. Perdoar tudo o
que ficou para trás. Perdoar os outros e, principalmente, perdoar a si mesmo.
Tirar os pesos dos ombros e olhar para frente. Dá pra erguer a cabeça. O
remorso e a nostalgia só existem no passado, mas só se está vivo hoje.
Só hoje é possível viver. É possível enxergar
o outro na sua complexidade e singularidade, é possível quebrar a barreira do ego, é possível partilhar boas experiências, é possível construir empatia, é
possível colaborar e é possível amar.
Mas só hoje. Todos os dias um novo hoje nasce
e, com ele, uma nova oportunidade de viver. O que dá pra fazer é parar de
esperar o amanhã.
Carpe diem!
Comunicar com o mundo.
Para Sempre Alice não é daqueles
filmes que começam lentamente, tendo picos e reviravoltas. Ao contrário, é
forte e acelerado do início ao fim, assim como a doença prematura da
protagonista.
A falta de memória é angustiante
e, depois da última cena, todos sentimos o baque. As tensões por que passa
Alice, certamente, adicionaram uma pitada de bons questionamentos à roda.
Será que está tudo bem comigo?
Quais os sintomas iniciais do Alzheimer? O filme nos deixa impressionados e
acaba por tocar num evidente sintoma do modo de vida que praticamos. O modo da
sobrecarga de informação, da distração infinita e da ansiedade por satisfação ininterrupta.
A facilidade da tecnologia nos
permite estar conectados 24 horas por dia. Acostumamos a receber mais
informação do que podemos processar e não conseguimos mais nos desligar.
Tentando fazer com
que o cérebro trabalhe num sistema multitarefa – como um navegador cheio de
abas abertas -, nós não conseguimos nos concentrar, nada merece 100% da nossa
atenção. Tudo é muito volátil e a sensação é de que alguma coisa está sendo
deixada para trás, parece que estamos
sempre esquecendo alguma coisa.
Se desconectar é
quase uma ameaça a existência. Estamos viciados.
Toda manhã meu despertador toca às 6h30. Antes que eu arraste meu corpo molenga de debaixo da segurança do meu cobertor quentinho, pego meu celular, deixo-o a centímetros do meu rosto e começo a ver qualquer coisa que perdi durante a noite. Isso não é só o começo da minha rotina matinal, mas também um comportamento rotineiro durante o resto do meu dia — checando, coletando e consumindo conteúdo obsessivamente até eu fechar os olhos e tentar desconectar meu cérebro para dormir. Esse comportamento é chamado de infomania, definido como “desejo compulsivo de checar ou acumular notícias e informações, comumente via celular ou computador.
Quem é que não sofre
desse mal hoje?
Porém esse problema
não é da tecnologia, esse é um problema das pessoas. Preferimos estar
distraídos e entretidos porque não conseguimos lidar com os altos e baixos que
é a vida.
Como pessoas mimadas, nós não suportamos lidar com a realidade na forma que ela
se apresenta. Procurando fazer da vida uma sequência infinita de momentos de
alegria, nós vivemos irritadiços, impulsivos, distraídos, engolindo informação
barata para fugir de se comunicar com o mundo.
Se o sinal fecha na
minha vez, são 45 intragáveis segundos em que a vida é um infortúnio, até que
ele se abra novamente.
Porque se distrair
tanto? Porque não deixamos o mundo falar?
A TV vende a fórmula
da felicidade como uma sequência de ápices e bons momentos:
A criança soprando a
velinha do bolo de aniversário.
A turma super feliz depois do trabalho indo beber aquela cerveja servida por modelos.
O rapaz fazendo a
barba e atraindo mulheres lindas.
Imagine só esse café as 7 da manhã de uma terça-feira. A propaganda da margarina ensina. |
Clímax após clímax
após clímax...
Com as redes sociais
a coisa piorou um pouquinho. Agora somos nós trocando momentos de clímax uns
com os outros. Você acorda pela manhã e já tem um “feed de felicidade” cheio de
novidades em duas ou três redes sociais.
Assumindo isso como a
verdadeira vida feliz, como replicar essa sensação de ápices contínuos em nossa
realidade?
Não dá. E que bom que
não dá! A vida é uma longa caminhada. Se nos deixarmos interagir plenamente, poderemos
encontrar beleza de verdade em cada passo.
O cume da montanha é
incrível, mas podemos nos permitir aproveitar a escalada, não é? Desligar o modo
distração permanente e registrar verdadeiras memórias no nosso coração.
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