Voltamos no mês de março com a quinta edição e com uma novidade muito especial. A partir de agora, toda Roda contará com um
facilitador convidado. Que contribui na preparação, com novas perspectivas,
novos olhares e agregando em diversidade.
E
pra estrear essa participação, convidamos a Sueli da Paz, psicóloga da
Elementar Terapias e responsável pelo projeto Cata-verso. Foi Sueli quem sugeriu
o filme Uma prova de amor, trazendo
junto da sugestão excelentes temas que muito contribuíram para fazer do
nosso encontro um momento de partilha único e riquíssimo.
A
quinta Roda de Conversa foi como um oásis, onde pudemos beber do bom debate e
da construção que advém da boa troca.
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O filme
Sara e Brian Fitzgerald são informados
que, sua filha, tem leucemia e possui poucos anos de vida. O médico sugere aos
pais que tentem um procedimento médico ortodoxo, gerando um filho de proveta
que seja um doador compatível com Kate.
Dispostos a tudo para salvar a filha,
eles aceitam a proposta. Assim nasce Anna, que logo ao nascer doa sangue de seu
cordão umbilical para a irmã. Anos depois, os médicos decidem fazer um
transplante de medula de Anna para Kate. Ao atingir 11 anos, Anna precisa doar
um rim para a irmã. Cansada dos procedimentos médicos aos quais é submetida,
ela decide enfrentar os pais e lutar na justiça por emancipação médica, de
forma a que tenha direito a decidir o que fazer com seu corpo.
Uma prova de amor é um filme que, do
início ao fim, toca o nosso coração ao mesmo tempo em que nos coloca pra
refletir. Cada cena foi pensada e trabalhada para nos fazer mergulhar fundo na
história da família Filtzgerald e uma vez imersos dentro dessa história,
debatemos, emocionados, questões como a ética na medicina, o direito, o ser
humano, seus limites e limitações, a vida e seus propósitos, a morte e seus
mistérios e, principalmente, o amor.
Já
dá pra imaginar o quão impactante é o filme, não é verdade?
Como
de costume, minha intenção aqui não é fazer uma análise do filme, como uma
resenha ou crítica. Mas sim de estender um pouco mais as nossas vivências e o
que dividimos na roda, para que você também tenha a oportunidade de interagir e
participar conosco.
Então se você ainda não o viu, corre lá e volte aqui depois para seguirmos em frente.
Separei
pra você os três pontos da discussão que mais me chamaram a atenção. Essa é a visão pessoal de uma participante, ok? Puxe a
cadeira e entre na roda também, a sessão de comentários está ansiosa por
receber suas impressões.
Vamos
lá:
Uma Prova de amor... Mas por parte de quem?
O
título original é My Sister’s Keeper
(Guardiã da minha irmã) e a conclusão que chegamos é que Uma prova de amor é uma tradução, por incrível que pareça, muito
mais interessante.
Qual
é a prova de amor? E de quem é? O título em português não joga
um caminho único e já começa nos provocando. Essa resposta talvez não seja tão
óbvia.
Seria
de Sara Flitzgerald com um amor tão
grande a ponto de abrir mão de sua própria vida? Pessoal e profissional.
Deixando tudo mais em segundo plano e dispondo a fazer qualquer coisa para salvar a filha. Um amor tão
grande que a fez perder toda conexão com o objeto amado?
Seria
de Anna Flitzgerald, que fez do amor
e do cuidado, grande coragem para rebelar-se contra a própria família. Com
firmeza e determinação, indo até o fim e entregando tudo o que tinha para
atender o que seria o último pedido de sua irmã?
Talvez
fosse de Brian Flitzgerald, abrindo
mão de uma postura passiva, para tentar contrabalancear as paixões de sua
esposa. Um amor sensível às filhas, respeitando o desejo da mais nova, até
mesmo naquela que seria a decisão mais drástica. Respeitando o desejo honesto da
mais velha de visitar a praia, de encontrar um pouco mais de vida em sua curta
existência.
Ou
de Jesse Flitzgerald, que superou a dúvida
e o medo para por fim no conflito judicial familiar, contribuindo para o abrir
dos olhos de sua mãe...
Prova
de amor de quem? De toda a família? Que se uniu em prol de Kate, sacrificando-se,
cada um como pôde, em função do tratamento da amada garota?
Ou,
finalmente, seria de Kate, como observadora do esforço de seus entes queridos,
optando por interromper aquela batalha e buscando o fim do ciclo de sofrimento
no qual ela era se encontrava como pivô?
O
filme é pura intensidade e o amor se
manifesta do início ao fim. De inúmeras maneiras. Qual delas mais mexeu com
você?
O processo de luto e a conexão
A
morte é um tema presente durante todo o filme e podemos perceber o processo de
luto acontecendo.
Os
estágios do luto, definidos por Elisabeth Kubler-Ross (1969), são:
1. Negação e Isolamento.
2. Raiva.
3. Barganha.
4. Depressão.
5. Aceitação.
Eles não
precisam ocorrer necessariamente de maneira linear: nem todos passam por todas
as fases e nem as passam na mesma ordem.
O luto não começa no momento da morte, e sim
quando percebe-se que ela é inevitável. Kate se preparou durante muito tempo
para morrer, para que tudo ocorresse de forma natural, com o menor impacto
possível.
A princípio, não percebemos a fase da
negação, talvez por ter sido diagnosticada quando ainda era pequena. No entanto, podemos ver alguns estágios do
processo, como quando ela quebra as coisas em seu quarto, bebendo e ouvindo uma
música pesada. Esse pode ser entendido como um estágio de raiva, pelo seu processo
e pela perda do namorado.
Além
desta, percebemos momentos depressivos de Kate, como quando se sentiu feia por
estar careca. Sara, para não ver a filha naquele estado, raspa a cabeça.
Por
fim, em outras duas cenas relembradas por Ana, Kate enfatiza que já está pronta
para morrer. Preparando um pequeno livro sobre sua vida e vivências, com
mensagens para todos da família e um pedido de desculpas para cada um.
A
família de um paciente em estado terminal também passa pelo mesmo processo e
com a família de Kate não foi diferente.
Sara,
a mãe, ficou presa por muito tempo no estágio da negação, batalhando e se
dedicando para salvar a filha, enquanto caía em alguns momentos no estágio da
raiva. Raiva da doença, Raiva de Ana, Raiva por levarem Kate à praia... Sara
fez do seu amor, muita intensidade, conseguindo diminuir o ritmo apenas no fim,
quando aceita o partir de sua filha. Nessa hora, o filme, que acompanha o ritmo
de Sara, também diminui sua intensidade característica. Kate se vai... Sara
nada mais podia fazer.
Outro
forte momento do processo de morte aconteceu quando Jesse, que conectado ao
sentimento de Kate e esgotado pela disputa da família, rasga e deixa voar os
pedacinhos de papel do desenho que tinha feito de sua irmã, simbolizando a aceitação
da libertação da menina. Jesse compreende o caminho de Kate.
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Nessa
parte da roda, refletimos sobre o tabu que é morte, também discutido no
encontro sobre o filme Para sempre Alice. Evitamos o assunto, a reflexão, o
debate e até mesmo a palavra, como se isso fosse trazer algum tipo de maldição
para nós. Como se fossemos atrair morte.
Enxergamos
apenas seu aspecto catastrófico, evitando entendê-la como parte do percurso
natural da vida.
A gente vive como se nunca fôssemos precisar encarar a
morte. Mas esse dia sempre chega, por mais que recusemos a acreditar...
Isso faz do luto, que é uma etapa essencial
de reajuste pós-perda, uma vivência muito mais dolorosa.
“A morte não vem de castigo.
Ela apenas vem”.
Humanização e empatia.
Ao
final do filme, depois de todo o desgaste, é dada a Kate a oportunidade de ir
para a casa, para passar o resto de seus dias com um pouco mais de qualidade.
Sara não quis sequer considerar a possibilidade. Havia perdido a conexão com
a filha há muito tempo.
De
acordo com Psicóloga e especialista Dra. Maria Júlia Kovács, dificilmente um
paciente é consultado acerca de seus desejos, necessidades e sentimentos. A
preocupação é sempre com a doença da pessoa e seus sintomas, enquanto a pessoa
em si fica em segundo plano. Com Kate isso não foi diferente e ela chegou ao
ponto de bolar com Ana o plano da emancipação médica. Uma vez que não
conseguiria acessar os adultos responsáveis para comunicar que não queria
receber um novo rim – operação que já havia sido decidida pelos pais e equipe
médica – e estava pronta para partir.
Para
Kovács, o indivíduo não é encarado como sujeito e sim como objeto de atuação do
médico, passivo, submisso e silencioso. Pode acontecer de o paciente saber da
gravidade do seu caso, mesmo que não tenha se informado, mas guardar para si.
Por medo de fazer o outro sofrer, por medo de não ser compreendido. Kate nos
mostra isso, já tendo consciência da iminente morte, evitou a mãe e procurou
pelos irmãos, mais próximos e mais conectados.
Aqui,
deparamos com o que eu considero o desafio do nosso tempo: humanizar as
relações.
Mais
uma vez, podemos trazer a Roda de Conversa sobre o filme Para Sempre Alice,
quando discutimos, através do documentário Alive Inside, a busca pela
humanização do paciente com Alzheimer, muitas vezes esquecidos pela família
e/ou tratados como números/casos por profissionais da saúde.
Não
só a relação entre paciente-família e paciente-profissional, o desafio do nosso
tempo começa em casa, quando estamos sozinhos. É humanizar a nossa relação com
nós mesmos. Praticando autoempatia, autorrespeito e autoperdão. Escutando o
nosso interior, reconhecendo nossas limitações, fraquezas e oscilações. Abandonando
o sentimento de culpa constante e a cobrança de perfeição.
Aí
então podemos ir adiante. Quando a gente se aceita, criamos o caminho para a
aceitação do outro. Quando a gente para de se cobrar, abrimos mão também da
necessidade de cobrar o outro. E aí podemos construir relações mais próximas,
empáticas e saudáveis. Onde cada um tem seu espaço e é escutado. Relações onde
o outro é considerado além das posições ocupadas na relação, do status, da
hierarquia... Em que é respeitado porque é humano. Alguém que carrega uma
história única, necessidades únicas, valores, crenças e visões particulares.
Profissionais-clientes,
professores-alunos, pais-filhos... Pessoas de oposto espectro político, de
diferente religião, cultura, nacionalidade... Enfim! Antes de tudo, pessoas...
Eis o desafio!
E
como chegamos até ele? Momentos de partilha como esse são um excelente caminho.
Grande
abraço!
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Puxe a sua cadeira, sente-se conosco e divida suas percepções =))
ResponderExcluirGostaria de algo impactante sobre doando mais sentido à vida.
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