“Que nós nos tornemos a mudança que buscamos no mundo”. Mahtma Gandhi
A CNV, como vimos, contribui para os
nossos relacionamentos com família, amigos, no trabalho e na política. Porém,
sua utilidade mais importante seja na maneira que tratamos a nós mesmos, no
desenvolvimento da autocompaixão.
“Quando internamente somos violentos
para com nós mesmos, é difícil ter uma compaixão verdadeira pelos os outros”.
Lembrando como somos especiais
“Quando conceitos críticos a respeito
de nós mesmos impedem que vejamos a beleza que temos dentro de nós, perdemos a
conexão com a energia divina que é nossa origem. Condicionados a nos vermos
como objetos - e como objetos cheios de falhas -, será surpreendente que muitos
de nós acabemos tendo uma relação violenta com nós mesmos”?
Essa relação violenta com nós mesmos
fica evidente na hora de nos autoavaliarmos e é importante que consigamos
encontrar compaixão nesses momentos.
Autocompaixão |
Gostaríamos que todas as nossas
atitudes fossem atitudes enriquecedoras da vida, mas esse nem sempre é o caso,
então aprendemos a nos avaliar com ódio, ao invés de buscar o aprendizado. A
CNV pode nos ajudar a olhar para os eventos e condições de maneira que nos
ajudem a aprender e a fazer escolhas duradouras
que sirvam ao nosso propósito.
Avaliando a nós mesmos quando fomos menos que perfeitos
Algumas frases típicas de quando
fazemos algumas coisas que não gostaríamos de ter feito:
- "Isso foi burrice!";
- "Como pude fazer uma coisa tão idiota?"; "O que há de errado comigo?";
- "Estou sempre pisando na bola";
- "Isso foi tão egoísta!"
Aprendemos a nos julgar como se a
nossa atitude fosse errada ou ruim e como se, por isso, merecêssemos sofrer
pelo que fizemos.
“É trágico que tantos de nós fiquemos
enredados no ódio por nós mesmos, em vez de nos beneficiarmos dos erros, que
mostram nossas limitações e nos guiam em direção ao crescimento. Mesmo quando
às vezes”
Podemos sim “aprender uma lição” a
partir do autojulgamento severo, mas qual a energia do aprendizado e da
mudança? Como fica nossa autoestima?
“Eu gostaria que a mudança fosse estimulada por um claro desejo de melhorar nossa vida e a dos outros em vez de por energias destrutivas como a vergonha ou a culpa”.
“Se o modo como nos avaliamos nos faz
sentir vergonha, e, em consequência disso, mudamos nosso comportamento,
estaremos permitindo que nosso crescimento e aprendizado sejam guiados pelo
ódio por nós mesmos. A vergonha é uma forma de ódio por si próprio, e as
atitudes tomadas em reação à vergonha não são livres e cheias de alegria. Mesmo
que nossa intenção seja a de nos comportarmos com mais gentileza e
sensibilidade, se as pessoas sentirem a vergonha ou a culpa por trás de nossas
ações, será menos provável que elas apreciem o que fazemos do que se formos
motivados puramente pelo desejo humano de contribuir para a vida”.
Para Marshall, existe uma palavra em
especial com enorme pode infligir medo ou culpa: o verbo dever.
- “Eu deveria ter feito aquilo”.
- “Eu deveria saber”.
É um verbo que nos faz resistir ao
aprendizado, uma vez que ele implica que não temos escolha. Deveria ter feito
isso e pronto. O ser humano tende a resistir a
qualquer tipo de exigência, porque a exigência ameaça a nossa autonomia. Temos a forte ncessidade de termos escolhes.
tenho que é um verdadeiro fardo! |
Uma outra expressão semelhante é o “tenho de”:
- Eu realmente tenho de parar de fumar.
- Eu tenho que fazer alguma coisa a respeito.
Nós não nascemos para ceder a
tirania, mesmo que seja tirania interna. E quando a gente cede, o movimento vem
de uma energia que carece de alegria de viver.
Traduzindo Julgamentos sobre si mesmo e exigências internas.
“Julgamentos de si mesmo, assim como todos os julgamentos, são expressões trágicas de nossas necessidades insatisfeitas”.
“Quando continuamente nos comunicamos
com nós mesmos por meio de julgamentos, culpa e exigências internas, não
surpreende que a auto-imagem corresponda ao sentimento de que somos ‘mais
parecidos com uma cadeira do que com um ser humano’”.
Uma das premissas da CNV é entender
que julgar alguém como errado ou agindo mal, na verdade significa que essa
pessoa não está agindo em harmonia com as nossas necessidades. O mesmo vale para
os julgamentos internos que fazemos a nós mesmos.
O desafio nesses momentos em que
estamos fazendo algo pouco enriquecedor a nós mesmos, é conseguirmos uma
autoavaliação que busque uma mudança:
- na direção em que gostaríamos de ir, e
- por respeito e compaixão para com nós mesmos, em vez de por ódio, culpa ou vergonha.
O luto na CNV
Na CNV, o processo de luto ajuda-nos a entrar em conexão plena com as necessidades insatisfeitas e com os sentimentos gerados quando fomos menos que perfeitos. É uma experiência de arrependimento que nos ajuda a aprender com o que fizemos, sem nos odiarmos.
É muito difícil pensar o tempo todo
só em termos de necessidades. Mas, da mesma forma que aprendemos a traduzir
julgamentos, podemos reconhecer quando o diálogo interno é negativo e mudar o
foco da atenção para as necessidades subjacentes.
“Quando a consciência se concentra
naquilo que de fato precisamos, somos naturalmente impelidos a agir em direção
a possibilidades mais criativas para que aquela necessidade seja atendida. Ao
contrário dos julgamentos moralizadores de quando nos culpamos, que tendem a
obscurecer tais possibilidades e a perpetuar um estado de autopunição”.
Perdoando a nós mesmos
“Perdão a nós mesmos na CNV: conectar-nos com a necessidade que estávamos tentando atender quando tomamos a atitude da qual agora nos arrependemos”.
Estamos sempre a serviço de
necessidades e valores. Isso é verdadeiro tanto se a ação atender à necessidade
quanto se não atender a ela, fazendo-nos comemorar ou arrepender.
No arrependimento, podemos nos
perguntar:
- "Quando me comportei da maneira da qual agora me arrependo, qual de minhas necessidades eu buscava atender?"
O perdão a nós mesmos ocorre no
momento em que a conexão empática acontece. Somos então capazes de reconhecer
que nossa escolha foi uma tentativa de servir à vida, mesmo que o processo de
luto tenha nos mostrado como ela falhou em atender a nossas necessidades.
Um processo que pode ser aliviador. |
“Um aspecto importante da
autocompaixão: sermos capazes de ter empatia por ambas as partes de nós mesmos:
a parte que se arrepende de uma ação passada e a parte que executou aquela
ação”.
Não faça nada que não seja por prazer
“Queremos agir motivados pelo desejo de contribuir para a vida, e não por medo, vergonha ou culpa”.
Essa parece ser uma ideia realmente
radical. Mas é essencial a autocompaixão. Quando temos consciência do propósito
enriquecedor para a vida que está por trás de uma ação que fazemos, então até o
trabalho duro contém um elemento de prazer.
Toda atividade que poderia ser
prazerosa deixa de sê-lo se for executada por obrigação, medo, dever, culpa ou
vergonha, e acabará gerando resistência.
Substituindo o “tenho de fazer”
por “escolho fazer”
Marshall nos oferece um pequeno e
poderoso exercício que nos ajuda a substituir o “tenho de”
pelo “escolho fazer”.
Primeiro passo:
O que você faz em sua vida que você
não sente ser prazeroso? Relacione num pedaço de papel todas as coisas que você
diz a si mesmo que tem de fazer, qualquer atividade que você deteste mas faz
assim mesmo, porque percebe que não tem escolha.
Segundo passo:
Depois de completar a lista,
reconheça claramente para si mesmo que você está fazendo essas coisas porque
escolheu fazê-las, não porque você tem de fazê-las. Coloque a palavra escolho na
frente de cada item que você listou.
Terceiro passo:
Depois de ter reconhecido que você
escolheu fazer uma atividade específica, entre em contato com a intenção por
trás da escolha completando a frase: "Escolho
____ porque quero _____”.
Esse pode ser um passo difícil de
identificar inicialmente. Mas uma vez que identificamos, podemos mudar a
natureza da nossa energia de ação.
“A cada escolha que você fizer, esteja consciente de que necessidade ela atende”.
Cultivando a consciência da energia por trás de nossas ações.
Ao explorar o terceiro passo do
exercício, podemos descobrir que existem alguns valores importantes pra nós por
trás das escolhas que fazemos. Ganhamos clareza a respeito da necessidade que
está sendo atendida. E aquilo pode se tornar prazeroso, mesmo que envolva
trabalho duro, desafios e frustrações.
Contudo, na sua lista, você pode
descobrir algumas motivações como:
Por dinheiro:
Uma recompensa cultural extrínseca, o
dinheiro não é uma necessidade, tal como definimos em CNV. Mas um dos inúmeros
meios que se tem para atender uma necessidade humana.
As escolhas motivadas por um desejo
de recompensa acabam custando caro: elas nos privam da alegria de viver que vem
das ações que são baseadas na clara intenção de contribuir para uma necessidade
humana.
Por aprovação:
Assim como o dinheiro, a aprovação
também é uma espécie de recompensa extrínseca.
Nossa cultura nos treina a ter fome
de recompensas. São atributos utilizados para nos motivar desde a escola.
Trabalhamos duro para comprar amor e
saciar nosso ego. Ser o “bom aluno”, o “bom
funcionário”, o “bom filho”, a “boa mãe”, a “boa chefe”... Conquistar as recompensas e troféus e evitar a
punição que cabe aos maus. Sempre dependentes do feedback externo.
O reconhecimento de que escolhemos
usar nossa capacidade para servir à vida e que fizemos isso com sucesso nos
traz a verdadeira alegria de celebrar a nós mesmos de uma maneira que a
aprovação dos outros nunca poderá nos oferecer.
Para evitar uma punição:
“Alguns de nós pagam imposto de renda
para evitar a punição. Como consequência, é provável que nos aproximemos disso
com certo grau de ressentimento. Eu me lembro, porém, de como em minha infância
meu pai e meu avô pensavam de modo diferente. Eles haviam emigrado da Rússia
para os Estados Unidos e tinham vontade de apoiar um governo que eles
acreditavam. Imaginando as muitas pessoas cujo bem-estar estava sendo garantido
pelo dinheiro de seus impostos, eles sentiam um sincero prazer ao mandarem seus
cheques para o governo americano”.
Um exemplo de difícil aplicabilidade
no Brasil atual, no entanto, suficientemente ilustrativo.
Para evitar a vergonha:
Existem tarefas que escolhemos fazer
simplesmente para evitar a vergonha. Sabemos que, se não as fizermos,
acabaremos sofrendo um severo julgamento sobre nós mesmos. Essa motivação,
geralmente, faz com que detestemos aquilo.
Para evitar culpa:
Às vezes agimos por medo de não
satisfazer a expectativa do outro e isso é extremamente desgastante.
Há um mundo de diferença entre fazer
alguma coisa pelos outros para evitar a culpa e fazê-la por causa de uma clara
consciência de nossa própria necessidade de contribuir para a felicidade de
outros seres humanos. A primeira alternativa representa um
mundo cheio de infelicidade; a segunda, um mundo cheio de prazer.
Por dever:
Segundo Marshall, uma linguagem que
nega a possibilidade de escolha, é uma linguagem perigosa. E isso faz todo o
sentido. Foi esse tipo de linguagem burocrática que permitiu obediência cega e
passividade por parte dos solados e agentes diante do cruel e desumano
holocausto nazista, por exemplo.
Há sempre uma opção. E pode parecer radical, mas é possível fazer as
coisas somente por prazer. Acredito que à medida que nos engajamos de momento a
momento no prazer de enriquecer a vida - motivados somente pelo desejo de
enriquecê-la - nos compadecemos de nós mesmos.
Esteja consciente das ações motivadas pelo desejo por dinheiro ou pela aprovação dos outros, ou pelo medo, vergonha ou culpa. Saiba o preço que você paga por elas.
Até o próximo capítulo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário